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"œDá apenas para sobreviver", diz trabalhadora sobre salário mínimo

Equilibrar as necessidades com o recurso disponível é uma luta diária da família Mendes. Saúde, educação e até a alimentação ficam comprometidos por causa da falta de dinheiro.

02/09/2017 09:17

Francisca Odelita Mendes trabalha todos os dias para sustentar a família de seis pessoas com quem divide uma pequena casa na Vila Parque Vitória, depois do bairro Mário Covas, na zona Sul de Teresina. Auxiliar de serviços gerais, é com um salário mínimo, de R$ 937, que a trabalhadora alimenta a mãe doente, Ecília Mendes de 80 anos, a irmã, de 57 anos, e mais três sobrinhos, sendo eles João Neto, de 13 anos, Jhonatan Mendes, de 3 anos, e Jaqueline, de 21 anos. 

Ela é apenas uma das milhões de famílias que driblam as dificuldades para sobreviver com a quantia que, como afirma, só custeia o básico, ou talvez nem isso. Equilibrar as necessidades com o recurso disponível é uma luta diária da família Mendes. Situações como essa não são difíceis de serem encontradas, tampouco distantes da nossa realidade.

Família sobrevive com apenas um salário mínimo. (Foto: Moura Alves/O Dia)

Teresina está rodeada de casas em que apenas um integrante consegue emprego para sustentar toda a residência. O Jornal ODIA acompanhou a realidade da família de Francisca Odelita Mendes durante todo o mês de agosto, desde que ela recebeu o salário, no quinto dia útil do mês, até a última semana, quando a família já estava com o auxílio financeiro para alimentação limitado. E, ao fim de tudo, comprovou que, como enfatiza a auxiliar de serviços gerais, com um salário mínimo não dá para viver, apenas sobreviver.

Apesar de resguardado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais especificamente no art. 7º, IV, da nossa Carta Magna, c/c Art. 23, alínea c, que o salário mínimo deve atender às necessidades vitais básicas do indivíduo e dos membros de sua família, o atual valor da remuneração mínima do trabalhador, de R$ 937, comparado ao atual cenário econômico e político do país, não chega se quer perto de suprir essas necessidades.

Até as pesquisas apontam a disparidade. A Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indica que, em 2017, mediante os valores dos alimentos e produtos necessários para o bem-estar de um ser humano - cotados no primeiro semestre do ano, o salário mínimo deveria ser cerca de R$ 3.810,36, quatro vezes mais que o valor atual no Brasil.

E a própria Francisca, como auxiliar de serviços, conta que o dinheiro do salário vai todo para alimentação, enquanto que necessidades básicas, como saúde, educação, lazer, bem-estar, moradia e proteção, estão fora do orçamento que a família é capaz de cobrir.

“Hoje eu trabalho para me alimentar e alimentar a minha família, apenas. Não tem luxo de sair, comprar uma roupa, pagar uma urgência em um hospital. A gente não vive com um salário mínimo, a gente sobrevive. É uma luta diária”, confessa a mulher.

Primeira quinzena: antes de comer, pagar o que comeu

Como a família de Francisca ainda não paga taxa de água, esgoto e energia, pois sua casa é improvisada em um terreno ocupado; ao receber o salário, o primeiro gasto é com o pagamento do cartão de crédito da vizinha, que ela utilizou para fazer as compras de alimentos consumidos pela família no mês anterior.

Segundo Francisca, custa em média R$ 1.600 todo mês, por conta da quantidade de pessoas que se alimentam em sua casa. Mesmo morando com seis pessoas, ela comenta que, geralmente, de 10 a 15 pessoas almoçam com a família, entre eles vizinhos e familiares que não têm como comer. O valor da despesa é pago com a ajuda da aposentadoria da mãe.

Francisca sustenta toda a família com apenas um salário mínimo. (Foto: Moura Alves/O Dia)

Juntando o salário das duas, elas recebem R$ 1.874. Porém, uma semana depois de terem recebido o dinheiro, só sobrou R$ 274 para os gastos do mês de agosto. Francisca relata que nunca recebe dinheiro para comprar os alimentos e sim para pagar o que já comprou no mês passado. “Eu trabalho para pagar o cartão que a gente usa para comprar alimentos, só para isso. É como se eu sempre ficasse devendo, porque compro no cartão e, quando recebo, pago para comprar novamente. É uma situação muito difícil, sustentar uma família com um salário mínimo, porque os gastos da mamãe são com comidas que ela tem que comer, remédios, produtos dela. Então, fica mais o meu e, quando se trata de família, é insuficiente”, afirma.

De acordo com a trabalhadora, depois dos primeiros quinze dias, tudo piora, e eles se alimentam com o básico e sobrevivem com três refeições diárias, sem lanche. Depois da quinzena, a família procura outras alternativas para amenizar a situação financeira, entre elas a compra a prazo em comércios do bairro.

Salário não cobre um terço das necessidades básicas

Para a garantia das necessidades fundamentais de uma família de quatro pessoas, tais como comida, vestimentas, pagamento de tributos, lazer e educação, o salário mínimo ideal deveria ser, pelo menos, o triplo do valor atual, de acordo com o economista Eduardo Lima. Segundo ele, o salário de R$ 937 não cobre nem um terço do necessário.

“Dependendo da quantidade de membros da família, os R$ 937 não dão nem para alimentação, porque têm os tributos. A maior parte dos brasileiros não tem casa própria, principalmente as camadas mais pobres, que têm aluguel para pagar, fora os custos de transporte e outros”, comenta o especialista. 

Eduardo aconselha que a melhor saída para as famílias que sobrevivem com um salário mínimo é buscar uma outra fonte de renda em horário livres. Conforme ele, em termos de custos, é difícil orientar o que cada família deve cortar ou não do orçamento para aliviar os gastos, pois cada casa tem suas especificidades. Mas de modo geral, ele recomenda que as pessoas evitem se endividar, fazer compras em prestação ou pedir empréstimo consignado.

“O empréstimo consignado é uma grande ilusão, qualquer empréstimo vai, a partir do mês seguinte, reduzir a renda mensal. Então, empréstimo não é saída para ninguém. A não ser que sejam questões inadiáveis e urgentes, como saúde. O que os brasileiros devem fazer é procurar não aumentar a despesa corrente da família, que é aquela que a família tem todo mês”, explica o economista.

Casa simples, comida contada

A casa da família Mendes é simples, não é rebocada, é no piso e contém cinco cômodos: cozinha, dois quartos, sala e banheiro. A casa tem poucos móveis e eletrodomésticos, apenas os essenciais, como fogão, geladeira e armário; os quartos da mesma forma. No que diz respeito à agua e energia, a família acorda de madrugada para encher os galões e conseguir beber, fazer comida e banhar durante o dia seguinte. Investir em ajeitar a residência está fora do orçamento, mas dentro dos sonhos da família.

A casa da família Mendes é simples, não é rebocada, é no piso e contém cinco cômodos: cozinha, dois quartos, sala e banheiro. (Foto: Moura Alves/O Dia)

A comida, por sua vez, é quase sempre arroz, feijão, ovos, sardinha e, nos primeiros quinze dias do mês, carne de gado. Quando o estoque “do mês” acaba, a família se alimenta com o que tem, ou consegue comprar a prazo. Lanche não está entre os alimentos desfrutados pelos adultos, idosos e muito menos pelas crianças da casa. O máximo que eles dispõem é de um biscoito, destinado ao sobrinho mais novo e à mãe doente.

Refrigerantes e sucos também nem pensar. O que se compra são quatro pacotes de suco que se acabam rapidamente, pois o suco da polpa também não entra no orçamento. A situação é tão complicada que Jaqueline, a sobrinha mais velha de Francisca, buscou alternativas para complementar a renda e ajudar a tia. Há dois meses, começou a vender perfumes e diz que consegue R$ 100 por mês para ajudar.

Diante de toda a realidade, Francisca conta, com a voz embargada, que já se deparou com dias em que não tinha o que comer. Ela lembra que só pensava nas crianças. “A gente não pensa nem na gente que é grande. A gente fica triste é pelas crianças, que precisam comer e não tem”, fala.

Última semana do mês: a incerteza do alimento do dia seguinte

Essa semana, a equipe do Jornal ODIA retornou à residência da família de Francisca para saber como eles estavam na última semana do mês. Francisca estava trabalhando e quem nos contou como eles estavam vivendo foi a sobrinha, Jaqueline.

“Os R$ 274 foram gastos com comida dias depois que vocês vieram aqui. Estamos esperando a tia chegar para saber o que vamos comer de mistura no almoço, porque só tem o arroz e feijão. Quando ela chegar, vai comprar alguma carne ou pedir fiado, ainda não sei”, contou Jaqueline.

Ela comenta que o mês foi apertado, mas moderado em relação a outros piores. Com a venda dos perfumes, ela pode ajudar Francisca. Ao ser questionada se já tinha certeza do que comeria no dia seguinte, a jovem comenta que viver com um salário mínimo é uma constante incerteza do dia de amanhã. “A gente dificilmente tem certeza do que vai comer no dia seguinte”, declara.

Limitação financeira compromete a infância e educação de crianças

A limitação financeira da família de Francisca interfere principalmente na infância e no desenvolvimento da educação das duas crianças, João Neto, de 13 anos, e Jhonatan, de 3. Francisca relata que viver com um salário mínimo impede que ela dê as condições necessárias para que eles vivam a fase da infância como deveriam e para que invista na educação dos pequenos.

“O João Neto quer muito fazer um curso de informática e dói no meu coração eu não poder dar. Ele é muito esforçado, só tira nota boa. A gente tem que fazer um esforço que, às vezes, não pode para auxiliar na educação deles. Já tivemos tantos momentos difíceis que fica até difícil dizer um deles. Encho meus olhos de lágrimas porque vejo que ele é muito esforçado e, no momento, eu não posso ajudá-lo.

O sonho de João Neto é fazer um curso de informática. (Foto: Moura Alves/O Dia)

Se eu tivesse um dinheiro melhor, com certeza investiria na educação dele”, explica ela. Mesmo com um desconto dado pelo curso de informática que a criança deseja, a tia não tem condições de realizar um dos sonhos do menino, que não é brinquedo, nem comida, é educação.

João Neto chegou a ficar uma semana sem ir à escola porque a tia não tinha dinheiro para comprar o caderno, de R$ 20. Os dias para ele são repetitivos, sempre acorda, banha e, sem tomar café, leva 15 minutos caminhando para chegar à escola, no bairro Mário Covas, com os amigos.

Come do lanche que a escola fornece, chega em casa almoça e depois janta e dorme. “A minha mãe não trabalha, só recebe o Bolsa Família e eu vivo do sustento da minha tia. E vejo que falta uma estrutura melhor na minha casa. Quero trabalhar para ajudar minha família financeiramente. Tenho vontade de fazer um curso, mas não posso porque não tem dinheiro. Por isso, quero ser um engenheiro civil quando crescer e vou lutar para vencer”, afirma o garoto, com muita convicção.

Em uma infância onde os brinquedos só são vistos através da televisão, os aniversários não são comemorados com festas e os doces e travessuras não são presentes no dia a dia, Jhonatan e João Neto seguem sobrevivendo às dificuldades que a limitação financeira traz.

Presentes, passeios, shopping, novas roupas, Natal e dia das crianças também não são necessidades que se enquadram no orçamento dessa família. Francisca conta que os passeios que eles tiveram foram todos bancados pelos padrinhos e madrinhas, mas nunca saíram em família.

Edição: Nathalia Amaral
Por: Karoll Oliveira
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